Jornal de Lili.li.li, 16 mar 24

Páscoa sempre será a época do ano que mais gosto. A criança que mora em mim, não mudou, ainda se emociona ao passar pelo "teto doce e colorido" no supermercado. Carrego, desde a infância, a paixão pelos ovos de Páscoa. Para a maioria das pessoas é apenas chocolate, mas para outras há uma magia em separar aquelas bandas e ver o segredo que o ovo carrega.

Uma enorme frustração minha foi nunca conseguir, no domingo de Páscoa, abrir um ovo. Via nas outras casas a gaveta de verduras, da geladeira, com aquele papel metalizado, denunciando que horas antes a mágica havia acontecido. Era desalentador não poder viver essa experiência!

Agradeço muito que, todos os anos, nunca me faltou o ovo. No entanto, sempre abri antes do domingo, então no grande dia só havia caixa de chocolate e coelhinho. Assim como no Natal, que esperamos ganhar presente dia 25, desejava abrir um ovo no domingo de Páscoa. Por isso, eu resolvi me planejar para concretizar o meu sonho. Após mais um domingo sem ovo, decidi que na próxima Páscoa seria diferente!

Foi em 1995, tinha 13 anos, quando resolvi poupar para comprar muitos ovos e, desta forma, conseguir, finalmente, experimentar a sensação de abrir um ovo, no domingo!

Só um adendo, essa história só foi possível por causa do Plano Real. Porque, antes, era inconcebível juntar dinheiro, devido à desvalorização da moeda. Os mais jovens, graças a Deus, nunca saberão o que foi viver na hiperinflação dos anos 90. A maioria das minhas lembranças são no supermercado. Era a obrigatoriedade da feira mensal e o som da maquininha reajustando os preços constantemente nas prateleiras. O dinheiro não tinha valor e piorou com o confisco das poupanças!

Foi um milagre, termos saído daquela catástrofe econômica. Ainda guardo uma cédula de 5.000 cruzeiros e várias moedas daquele período tenebroso! Não esqueço a URV, a conversão para o Real. Logo no começo não parecia verdade, os preços permaneciam, por semanas e meses, os mesmos!

Adorava quando minha mãe contava sobre a época do Sarney, dessa fase não recordo. Era surreal o gado ser escondido no pasto, desabastecimento, os "fiscais do Sarney" etc. Saudades de ouvir mainha contando sobre o boato que faltaria sal. Dezenas de mulheres, no supermercado, se atracando com pacotes, para não ficar sem, enquanto o funcionário gritava, as chamando de doidas, porque o sal não ia acabar! No final, o estoque foi zerado!

Eita! Já comecei a fugir da história. Então, voltemos para 1995, quando determinei que a próxima Páscoa seria: a melhor de todas! Nunca recebi mesada, mas sempre havia um troco que eu podia ficar, um dinheiro no aniversário e no Natal ou quando meu pai, zero compromisso com os filhos, o famoso ausente entrega uma quantia para compensar a negligência ou aliviar a consciência. Portanto, juntei, durante aquele ano, todo o dinheiro que consegui. Não tenho nenhuma ideia de quanto amealhei, mas foi uma boa grana, pois no ano seguinte pude esbanjar!

Enfim, 1996 chegou, contei os dias para o Carnaval acabar, pois não demoraria para as lojas serem invadidas pelas armações de madeira, que tornariam possível suspender as centenas de ovos, criando o cenário mais encantador, para quem ainda tem alma de criança.

Finalmente, após duas semanas dos ovos dispostos, decidi que chegara o tão aguardado momento. Queria comprar com calma, sem enfrentar uma loja abarrotada. Como eu planejava adquirir uma grande quantidade, achei que seria bom que alguém fosse comigo para ajudar a carregá-los. Convidei minha irmã, que aceitou ir às Lojas Americanas.

Ao chegar, o coração acelerou, estava prestes a realizar o maior sonho da minha vida! Peguei uma cestinha e iniciei "os trabalhos". Estava tão imbuída na minha missão, que nem reparei que minha irmã sumiu. Então, continuei escolhendo entre tantos tamanhos, tipo e marcas. Posteriormente, minha irmã ressurge. Ela traz consigo um item que em nada se assemelhava a um ovo de Páscoa. Então, pergunta se eu não poderia comprar um top de ginástica! Não gostei muito, mas consenti, pois poderíamos, agora, focar no "nosso" objetivo. Certo, voltei minha atenção aos ovos, e não é que minha irmã sumiu de novo! Claro, agora ela estaria me ajudando a decidir entre tantas opções. É curioso quando queremos nos enganar!

Ela voltou e, desta vez, tinha um short de ginástica, nas mãos, e, novamente, desejava que eu pagasse. Contrariada, aceitei! Todavia, agora bastava, viemos comprar ovos, realizar meu sonho! Iria prosseguir selecionando os ovos, quando notei que ela se escafedeu! Literalmente sai correndo, fui direto a fila do caixa. Fiquei torcendo para chegar logo a minha vez e que minha irmã não me encontrasse.

Para minha infelicidade, houve tempo suficiente para ela me achar. Resignada assisti ela se aproximando, demonstrou surpresa de eu estar na fila, pois ficou me procurando na loja. Como não poderia deixar de ser, carregava mais uma coisa, agora o pedido era para um sutiã! Sem saber dizer não, com muita raiva, concordei!

Chegamos a casa, mesmo com o contratempo de levar comigo alguém que não compartilhava do mesmo anseio, estava satisfeita! No meu quarto havia 3 prateleiras bem compridas, escolhi a do meio e passei a alinhar os ovos. Pareciam até troféus, como os recebidos pelos meninos no futebol. Exibi com o mesmo orgulho que fazem com as medalhas de natação. Foram 9 ovos, entre médios e grandes, além de uma barra de cobertura da Garoto de 1 kg.

Estava realizada, teria a melhor e maior Páscoa de todos os tempos! Ah, comprei a barra para não haver perigo de comermos os ovos antes da hora. E como planejado abri a barra, minha mãe pedia um pedacinho, minha irmã idem, porém o meu pedaço não era pequeno. Por isso, em cerca de uma semana, não havia mais nada!

Então, nós dias seguintes, comecei a ser pressionada a abri um dos ovos, pois elas queriam um pedacinho. Havia tantos, o que custava? Elas diziam isso. Cedi à insistência e abri. Como dito, elas só queriam um pedacinho! O problema é que eu acabava comendo restante depois.

Não demorou para o segundo ser aberto, assim como o terceiro. Do quarto ao Nono foi um pulo! Portanto, no final, de nada adiantou ter comprado tantos ovos, não consegui abrir nenhum ovo no domingo de Páscoa. Esforcei-me tanto para minha mãe e irmã terem arruinado tudo!

Pensei assim durante quase 2 anos. Foi quando resolvi fazer uma surpresa para minha irmã. Não lembro o que ela fez, mas foi algo bem bacana, então decidi que compraria um ovo para presenteá-la. Em 1998, em uma missão secreta, fui ao supermercado e comprei, sem levantar suspeitas da minha mãe, que estava junto, um ovo Batom Garoto.

Deixei dentro do meu guarda-roupa. E passei a tarde toda indo olhar o ovo. Era o meu segredo, pena que naquela mesma tarde eu não me contive e comi o ovo! Fiquei chateada, mas tudo bem! Pois, eu compraria outro ovo e ficaria tudo certo.

Na semana seguinte, fui às lojas Americanas e comprei outro ovo Batom. Com todo sigilo que a operação pedia, escondi, novamente, no meu guarda-roupa. Esse ovo durou pouco mais de 24 horas, também comi. Fiquei bem desgostosa, mas não desisti de dar esse presente. Um tempo depois voltei às lojas Americanas e comprei, pela terceira vez, o ovo Batom Garoto. Não recordo em quanto tempo, apenas que ele teve o mesmo fim dos demais. Fiquei péssima, eu era incapaz de me controlar. Ao menos, ninguém saberia.

Só não contava que, naquele domingo de Páscoa, sentiria muita culpa. Não tinha nada para dar a minha irmã, queria demonstrar o quanto eu a apreciava. Então, resolvi mostrar o quão grande era a minha boa intenção. Peguei, no guarda-roupa, os papéis dos ovos e fui à sala externar todo o meu carinho e admiração.

Não faço ideia o que eu tinha na cabeça, o que eu esperava que fosse acontecer. Entretanto, jamais pensei que seria tão desmoralizada quanto fui. Ouvi mil xingamentos, além de ter escutado que deveria ter entregue no momento que comprei. Quando retruquei que eu queria fazer uma surpresa, no domingo de Páscoa, mais ofensas não faltaram!

Aprendi muitas lições, a principal é que a intenção não conta, quando se trata de chocolate! Foi importante, também, para que eu retirasse a responsabilidade que atribuí a elas por terem estragado minha Páscoa perfeita. Estaria repetindo, não duvido, até hoje, que destruíram meu sonho, enquanto que o problema não residia em um "pedacinho", mas em que comia o resto! Era um simples desejo "infantil", que nunca encontrou meios para ser concretizado, você não ter controle é horrível!

Só um esclarecimento, naquela época, o chocolate era muito bom e acessível. Hoje, os ovos carecem desses atributos, sabor horrível e um absurdo o preço. Desejo a todos uma feliz Páscoa!

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